9.6. Sabores na Folia de Reis

Os preparativos para uma Folia de Reis exigem toda uma organização logística que ocorre ao longo do ano. Os locais que receberão os pousos do ano seguinte, muitas vezes são definidos no instante em que estes acontecem no ano anterior. Em algumas ocasiões os pousos são alterados quase em cima da hora, quando surge um pedido de promessa ou de agradecimento por uma dádiva atendida.

No entanto, o que aqui destacamos são os aspectos ligados aos alimentos a serem compartilhados e que possibilitam inúmeros significados e interpretações, desde os ritos de agregação (VAN GENNEP, 2011) até a análise a partir do “Ensaio sobre a dádiva” (MAUSS, 2003).

Os alimentos são conseguidos com vizinhos, parentes, amigos, ou mesmo plantados por quem vai promover o pouso, o que geralmente acontece com a mandioca com a qual se produzirá o caldo em que se juntará a costela ou outra carne, comida forte, de sustança, conforme Brandão (1981).

Arroz, feijão, macarrão, salada de tomate com repolho e outras iguarias são preparadas no dia ou na véspera do pouso. As carnes bovinas, suínas ou de aves, podem consumir trabalho de até uma semana na confecção de linguiças, almôndegas ou mesmo carnes em pedaço.

Os doces também são produzidos anteriormente e em ritmo de mutirão, geral mente são feitos de frutos produzidos no quintal ou doadas por amigos, assim como o leite são transformados em sobremesas, nem sempre recorrentes nos pousos de Folia de Reis em Anápolis ou em Pirenópolis.

Para que a comida seja servida aos foliões e aos participantes é preparada uma mesa com os pratos e talheres, geralmente descartáveis, para o acondicionamento da comida em grandes vasilhas de servir ou nas próprias panelas do cozimento.

A mesa da comida é montada nas proximidades da cozinha, para que diminua a dificuldade nos momentos de reposição da comida.

Existe todo um respeito ao se manter próximo a esta mesa, como se ele fosse um segundo altar, em que a devoção se faz presente, em especial quando a bandeira é retira do altar e vem, portada pelos donos do pouso, abençoar a comida já disposta em cima da mesa. A este ato simbólico e ritual se seguem as orações e depois o compartilhamento da comida, quando primeiramente servem os foliões e depois a comunidade em geral.

Uma das premissas básicas das Folias estudadas em Anápolis e em Pirenópolis é a fartura de alimentos dispostas para o consumo dos foliões. Existem poucas variações nos cardápios, mas há prevalência da quantidade de comida sobre a mesa.

Existe uma pausa ritualística na Folia de Reis quando a comida é servida, o que é explicado pelos foliões mais experientes como o “tempo de se alimentar” em que momentos são destinados para que todos possam se fartar, sem tumulto ou pressa. É bastante comum a repetição e mesmo assim há sobra de comida que fica sobre a mesa.

A sobra, de acordo com foliões representa que a devoção é capaz de alimentar todos os que se fazem presentes, o que é bastante complexo, pois é uma manifestação popular em que não há controle do número de participantes que aumenta significativamente na hora das refeições.